sexta-feira, 3 de agosto de 2007

É melhor ler Harry Potter

"Há livros certos na hora errada e livros errados na hora certa. Harry Potter parece fazer parte do segundo grupo. Milhares de leitores infanto-juvenis (alguns nem tanto) estão vibrando com as novas aventuras do bruxo. E isso é bom para o capital, para a autora e principalmente para os leitores uma nova geração que nunca havia se interessado por um livro agora vai às livrarias, e isso é louvável. Claro que os pais e professores, muitas vezes, prefeririam que os livros fossem outros. Os livros certos: Memórias Póstumas, Os Sertões, Hora da Estrela e tantos mais da alta literatura. Mas para um garoto de 14 anos, que viveu no shopping, aprendeu a brincar com Playstation e tem amigos no Orkut, Vidas Secas é uma obra praticamente impenetrável. Harry Potter, o livro errado, é, no caso, a obra certa e aqui livremente estou chamando um livro de certo ou errado, emitindo um juízo de valor, o que é discutível. A insistência em obrigar os alunos a ler as “obras certas” matará a leitura. A Canção do Exílio destrói o leitor enquanto jovem, Espumas Flutuantes o naufragam e Iracema é o golpe de misericórdia no hábito de leitura. Existem exceções, é verdade. As almas sensíveis, aqueles jovens que lerão A Metamorfose e verão na novela uma metáfora de sua situação. Porém, para essas exceções, não é preciso fazer nada, não é preciso política pública, nem prática pedagógica. Como diria Borges, um livro sempre acha seu leitor. É por isso que acredito que para se chegar aos Irmãos Karamazov será preciso ler Harry Potter. É o livro errado para a hora certa, ou ainda, o livro certo para aquela hora incerta. A hora em que a leitura vira um hábito infantil e depois adolescente. E o livro vira um objeto próximo. Pois não se vira leitor aos 30 anos. Nem com toda bruxaria. Assim, ao contrário do que muitas vezes pensamos, o livro antes de ser fonte de conhecimento é fonte de prazer. Hoje, então, deveria ser apenas isso: “Para que ler em um livro aquilo que eu acho no Google?” Quem lê, lê por prazer. Como acreditava Montaigne só devemos ler os livros que nos são prazerosos. O saber, portanto, é um prazer, mas trata-se de um prazer secundário ao primeiro prazer com as letras, ao amor pelo texto, ao sentimento de bem-estar com a linguagem. E nada suscita mais a leitura do que a curiosidade pelo conteúdo. Por isso o sucesso da aventura, da fantasia, do policial e dos quadrinhos, queremos saber como tudo acaba, o que acontece na próxima página. Ao virar cada folha, aprendemos a ver, comparar, analisar. Fabulamos nós mesmos, refazemos os passos do escritor, reorganizamos o pensamento. E isso ajuda a pensar, encanta, é uma magia. O prazer do texto é, então, o prazer da descoberta individual, o desejo de se aventurar por outros mundos, o amor pela reflexão imaginativa. Nada melhor do que Harry Potter para isso, pois sua matéria é a fábula. Como aprendemos na teoria, o sucesso de marketing é antes de tudo um sucesso de produto. Evidentemente, espera-se que algum dia o leitor de Harry Potter tenha outros interesses de leitura, não por menosprezar aquilo que leu, mas apenas porque estará descobrindo outros mundos. Os livros certos na hora certa. Se o marketing proporciona alguns benefícios, que um deles seja o de popularizar um artigo, o livro que, como diz Millôr, não enguiça, não tem luzes, não faz barulho, não explode, não precisa ligar na tomada e dá para ler deitado. Livro não tem senha. Torça para que seu filho leia Harry Potter, antes que você descubra que ele não lê mais nada."


Marcos Kahtalian (Professor de Marketing de Serviços da UniFAE)


Esse artigo nos faz pensar sobre os caminhos que devemos seguir para desenvolver no nosso aluno o prazer pela leitura. Será que não estamos trabalhando a leitura e produção de texto de forma equivocada.? Vale a pena refletir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como nos mostra a propaganda da tv, o prazer pela leitura deve partir dos pr�prios pais.Se nunca nos deparamos com exemplo na nossa casa e se nossos professores, muitas vezes, l�em por obriga�o, de forma enfadora e desestimulada, como posso ser um leitor competente? Realmente, precisamos de professores-leitores que consigam "despertar" o PRAZER de ler, de fazer refletir sobre n�s mesmos.