Do Todos Pela Educação
Metade dos professores que leciona no segundo ciclo do Ensino Fundamental e no Ensino Médio das escolas da zona rural do Brasil não tem a formação mínima exigida pela legislação. Isso significa que 49,9% deles não têm licenciatura, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Quando se observa a zona urbana, a taxa de docentes dessas etapas de ensino que não possuem a formação obrigatória é de 14%.
Os números, que podem ser observados no quadro abaixo, são de um levantamento realizado pela área de Estudos e Pesquisas do Todos Pela Educação, com base nos dados do Censo Escolar 2010 – o mais recente disponível – e mostram uma das facetas problemáticas da Educação na zona rural.
Além da questão docente, o ensino do campo também enfrenta outros obstáculos na infraestrutura das escolas e na definição de linhas pedagógicas. Por ser um dos grandes desafios para se estabelecer a igualdade do sistema educacional brasileiro, a Educação rural é tema de um dos principais projetos do Ministério da Educação (MEC) para os próximos anos: o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo).
Lançado no fim do mês passado, o Pronacampo pretende ajudar a solucionar a defasagem educacional histórica dessas regiões do País, que hoje contam com 76 mil escolas, 6,2 milhões de alunos e cerca de 342 mil professores, segundo o MEC.
Com investimento anual de R$ 1,8 bilhão, o Pronacampo vai atuar em quatro eixos: gestão e práticas pedagógicas; Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional e Tecnológica; infraestrutura física e tecnológica; e a formação de professores. Serão utilizados, para atingir as metas, programas do MEC como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Mais Educação e Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), por exemplo, com foco no campo.
Para reforçar a formação dos professores do campo , muito defasada em relação aos que lecionam em áreas urbanas, a ideia do MEC com o Pronacampo é ampliar a oferta de cursos de licenciatura, expandir polos da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e ofertar cursos de aperfeiçoamento e especialização específicos para a realidade do campo e quilombola.
Docentes
Observando os dados gerais de formação dos professores de todo o País, em todos os níveis de ensino, pode-se ver que apenas 43,8% dos profissionais que lecionam na zona rural têm Ensino Superior Completo, contra 74,1% da zona urbana.
No entanto, deve-se considerar que a LDB ainda admite, para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I, que o professor tenha formação em nível Médio, na modalidade Normal. Hoje, 91,5% dos que estão em escolas urbanas têm formação que pode ser classificada como adequada (nível Médio Normal ou Superior). Já nas escolas rurais, esse mesmo percentual cai para 88,3%.
Mesmo sem exigência do diploma de graduação para atuar até o Fundamental I, as diferenças entre as zonas são grandes também quando se observa o percentual de professores com Nível Superior: o da zona urbana é 24 pontos percentuais maior que o da zona rural.
Os dados levantados também permitem construir um perfil dos docentes que atuam na zona rural do País. Cerca de 77% são mulheres – na zona urbana, a taxa é ainda maior: 81,5%. Os professores das escolas do campo são, em média, mais jovens do que os da cidade: têm cerca de 36 anos, enquanto na zona urbana a média é de 39.
Para a diretora-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, é preciso atrair os melhores professores para a zona rural. “A carreira também deve ser mais atraente para que os jovens do campo queiram ser professores”, destaca. “O campo acumula várias desigualdades educacionais do Brasil. Nele, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres é ainda mais acentuada. Precisamos de uma política mais estruturante e, a meu ver, o Pronacampo ainda não atinge isso, já que ele aumenta a intensidade de programas já existentes.”
Segundo os especialistas em ensino do campo, um dos maiores problemas da formação desses professores é que ela foi baseada em valores urbanos, sem observar a especificidade da zona rural. “A educação do campo, como um todo, foi formulada de cima para baixo, o que desrespeitou a complexidade, diversidade e especificada da realidade rural. É descontextualizada”, explica Geraldo Augusto Locks, pesquisador em ensino do campo da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac).“Essa educação olhou para o campo com olhar urbano. A formação inicial do professor é um exemplo disso.”
Para o pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologias do Pará (IFPA), Cícero Italiano Sobrinho, o maior desafio está em formar professores dispostos a ficar ou a voltar para a zona rural. “O campo precisa de professores que sonhem os mesmos sonhos que os campesinos sonham. Que sintam as mesmas angústias e, principalmente, que estejam dispostos a lutar por estes sonhos e pelas resoluções de seus problemas e, infelizmente, essa ainda não é a realidade hoje vislumbrada pela educação campesina”, afirma.
A pesquisadora e professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal (DF) Helana Freitas, lembra que é comum, na zona rural, os professores exercerem mais de uma função na escola. “Muitas vezes, além de dar aula, ele cuida dá manutenção da escola e é cantineiro, por exemplo. Isso ocorre principalmente no norte e nordeste do País, onde, em alguns casos, a formação desses docentes é pouco superior à dos alunos”, afirma.
Idades diferentes
Uma das principais características da Educação rural é a sala multisseriada, que consiste em uma turma de alunos com idades diferentes com um único professor. Ela é uma forma de organização escolar permitida pela legislação e, segundo o MEC, tem assegurado o acesso de milhares de estudantes do campo a Educação.
De acordo com dados do ministério, 71% das escolas do campo têm classes multisseriadas, atendendo 22% dos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para atender essa demanda, o Pronacampo também prevê a disponibilização de materiais didáticos e pedagógicos específicos e a formação e o acompanhamento pedagógico para todas às escolas com essas turmas.
Até então, o programa Escola Ativa, do MEC, era responsável por essas turmas na zona rural. Ele foi desenvolvido até 2010, quando ocorreu a última adesão – a formação de professores desta edição ainda está em curso. Agora, com o Pronacampo, foi feita uma avaliação do Escola Ativa e foi apresentada uma nova proposta: o programa Escola da Terra, que prevê novas formas de organização curricular que superem a organização multisseriada.
No entanto, alguns especialistas são a favor das turmas com alunos de várias idades. “A sala multisseriada, se tiver boas condições de preparo do professor e de infraestrutura, responde bem à especificidade do campo, sendo uma alternativa viável e eficaz, porque provoca interação e troca de experiências”, afirma o professor Geraldo Locks.
Para José Wilson Gonçalves, secretário de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), somente com professores bem formados é possível o desenvolvimento de um projeto pedagógico que atenda a todas essas particularidades do campo na escola. “Esse projeto tem que dialogar com os costumes e valores das pessoas. Só assim vamos superar o déficit de desigualdades”, explica.
Autora: Mariana Mandelli.
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