terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O polêmico debate da divisão de turmas por desempenho

Existe, principalmente no meio acadêmico, o medo de colocar em discussão a divisão de turmas de alunos por desempenho. Recentemente participei de um debate com professores do município de Baraúna-RN e junto com outros colegas defendemos a ideia. O grupo defensor desta ideia apresentou argumentos e exemplos práticos muito mais convincentes. Já o grupo que não defende a ideia apresentou a esclusão como única justificativa para não executá-la.

Pensando em colaborar com a continuidade do debate, resolvi publicar na íntegra o texto de Maurício Fernando Bozatski, que defende a ideia. Leia, reflita e faça seu julgamento.

Penso que seja correto separar as turmas com base no desempenho. Vou apresentar minhas razões:


Enquanto professor da rede pública de ensino sei que o meu papel é oferecer educação de qualidade a todos, não obstante, há aqueles que não desejam ser instruídos, não entendem porque estudam, e, numa turma com 40 alunos podem atrapalhar o desempenho daqueles que eventualmente estão interessados, ou seja, não enxergam um propósito na educação, e se o professor insiste em mostrar isso, torna-se um vilão para tais alunos. Assim, entramos numa questão que remete ao conceito de “Justiça”, direitos e deveres. Não é justo que aquele estudante que possa ser potencializado deva esperar pelos demais porque estes possuem o direito de aprender e serem iguais. Onde fica o direito do estudioso?


Esta divisão não pode ser uma segregação, mas apenas uma espécie de nivelamento, assim, os alunos sabem que se melhorarem seu desempenho poderão passar de uma a outra turma.


Sei que muitos dirão que isto é desumano, discriminatório, etc., mas não é possível tentar que a escola ensine dissociada do contexto social, oferecer educação como se fazia na Idade Média se na sociedade atual apenas obtêm êxito as pessoas empreendedoras, comprometidas e responsáveis. Penso que é melhor que os estudantes aprendam isto na escola enquanto ainda é possível corrigir seus hábitos. Depois, no mundo do trabalho, aprender tais lições pode ser um processo bem mais doloroso e amargo.


A sociedade é assim, com seus concursos, vestibulares, currículos, etc., a escola não pode preparar indivíduos para atuar num plano diferente. Quando a sociedade mudar, a escola deve acompanhar, mas por enquanto isto é assim. Não adianta culpar a escola. Todo o sistema político e econômico está organizado desta forma. E aqui muitos irão objetar dizendo que é na escola que a transformação social começa, será que isto é verdade? Basta olhar para o passado e ver que grande parte dos paradigmas científicos e tecnológicos foram estabelecidos por um indivíduo ou por um pequeno grupo isolado. Acredito que a escola não tenha poder para mudar a sociedade, mas sim o indivíduo, e este sim por sua vez pode criar inovações que transformem profundamente a sociedade. Basta olhar para o recente advento da Tecnologia da Informação. Temos um Orkut (Sim, Orkut é uma pessoa), um Bill Gates, um Steve Jobs. Criando seus Windows, Ipodes, sites de relacionamento e de busca que re-configuram o modo de organização social.


Escolas da rede privada tendem a nivelar seus estudantes com aulas de reforço, estudos orientados, então a diferença entre os alunos é minimizada, mas o que está em questão aqui é o ensino público. Portanto, é mais mesquinho colocar na mesma turma estudantes comprometidos e com potencial junto a adolescentes tendenciosamente mal-intencionados, que vão canalizar para si e para suas travessuras toda a energia do professor, que irá se desmotivar pouco a pouco até perder o entusiasmo por toda a turma, até o nível do desinteresse total, destruindo o processo educacional através da criação de sistemas de repressão como provas rígidas e outros trabalhos afins, no intuito de tentar fazer com que os maus alunos comecem a estudar mais. Assim, os bons alunos perdem a oportunidade de se desenvolver mais.


Destarte, toda a escola pública acaba por se tornar uma casta em que uma ínfima parcela terá oportunidades na vida.


O objetivo da educação é aperfeiçoar aqueles que desejam, potencializar para o aperfeiçoamento aqueles que são capazes e educar, no sentido de aprimorar a humanidade, aqueles que resistem ao processo educacional.


Aprender com diferenças físicas, culturais e sociais é muito importante, mas fazer com que os bons paguem (desperdicem suas chances) pelos maus, transcende o âmbito da educação, passa a ser uma questão de justiça, ou da falta dela.


Ademais, sou mais radical, deve-se fazer análise de desempenho também dos professores, e direcionar os melhores para os alunos com mais vontade de aprender. Atirar pérolas aos porcos vá lá, mas vê-las rejeitadas por pessoas interessadas apenas em toda sorte de maldade e não no processo educacional, é inadmissível.


Da mesma forma que defendo uma inicial triagem e disposição diferenciada dos alunos em turmas, também sou a favor de análise de desempenho e recompensa para os melhores professores. Só assim a rede pública será valorizada.


Na rede pública de ensino norte-americana existe já na primeira série a distinção entre os “avarege” e os “honour students”, e até o diploma deles é diferente, desta forma não há necessidade de vestibular, este sim que é injusto, pois o trabalho de toda uma vida estudantil se resolve em apenas uma ou duas provas que determinarão o futuro do estudante. E os professores também são nivelados de acordo com a competência e não com o tempo de serviço, como acontece na rede pública do Brasil.


Os melhores professores estarão aprimorando os melhores alunos. Isto não está fechado em castas, basta que o indivíduo se esforce mais e passe para o melhor grupo, isto não é desumano, no futebol há titulares e reservas e ninguém diz que é errado tal divisão. O importante é o bem coletivo, o aprimoramento da sociedade, o desenvolvimento tecnológico e científico do país, e nisto, os Estados Unidos precisam ser respeitados. Podemos sonhar com o mesmo? Ou devemos continuar com esta educação com traços do positivismo e do socialismo utópico, carcaças em decomposição do século XIX?


Podem objetar dizendo que estou tratando de extremos e colocando de um lado os superdotados e de outro os marginais, e que estes não podem ser levados em conta quando se trata de um planejamento educacional. Não estou tratando de extremos. Aliás quando alguém diz que se deve excluir radicalmente os mal intencionados, aí me parece residir o extremo. Eu acredito que a educação deve operar tanto para os bons quanto para os maus, em escalas, direções e objetivos diferentes. É por isso que eu leciono numa penitenciária. Eles, que já foram ou ainda são, em parte, alunos mal intencionados precisam de orientação tanto quanto os bons alunos, mas de uma forma diferente. É preciso criar níveis dentro dos níveis, e assim os próprios estudantes poderão perceber o quanto evoluem ou precisam evoluir.


E uma turma apenas com bons estudantes pode gerar um estado de estagnação, sem desafios ou perspectivas? Penso que não, uma entropia nunca acontecerá no sentido do conhecimento, pois o conhecimento científico e técnico apenas evidencia para aquele que evolui o quanto ele se encontra longe da sabedoria. Se fosse assim, gênios solitários de seus tempos e lugares, como Cervantes, Kant e Shakespeare nunca teriam evoluído, pois se encontravam sozinhos no seu nível de excelência. Pelo contrário, um ambiente intelectual favorável levará ao aprimoramento das mentes dos estudantes. Se não fosse assim, centros de excelência como o Mit, Stanford, Sorbonne, entre outros, já teriam desaparecido.


Podem dizer ainda que os Estados Unidos é um país atrasado no âmbito educacional que perde espaço para os orientais. Admito que isto até pode acontecer na questão quantitativa, mas não na qualitativa. Vou citar a NASA, MIT, Harvard, Iale, Standord, para não falar da informática, da genética, da mecânica, etc. Os países orientais evoluem pelo seu grande número de pessoas e potencial para a instalação de empresas com baixo custo de encargos e salários, olhe a palmilha de seu Nike e verás que é feito na China. Os problemas estruturais destes países são dantescos. Não se engane com as olimpíadas, Moscow também fazia shows “para inglês ver” e escondia problemas estruturais sérios, e a URSS acabou ruindo. E por outro lado, a conjuntura sócio-econômica chinesa, por exemplo, não se aplica ao caso brasileiro, o salário médio na área urbana da China não passa dos U$ 100 por mês, queremos isso para o Brasil?


Países como Brasil, China, Índia e Rússia possuem grande potencial e evoluem, mas é muito mais à custa de exploração de recursos naturais e populacionais, a evolução ainda não atinge todas as classes populacionais, basta olhar para a desigualdade e a disparidade da distribuição de renda no Brasil.


Podemos copiar o sistema educacional de países que têm os melhores indicadores? Acredito que não, pois a realidade é mais complexa. Há muito tempo que a Finlândia e a Suíça têm os melhores indicadores, salários, etc., mas isto não se aplica ao resto do planeta por questões geográficas, ou seja, tamanho do território; número da população; o fato de não sofrerem uma leva de imigrantes desde as últimas invasões bárbaras; neutralidade bancária que favorece investimentos gigantescos e impostos em que a extinta CPMF parece trocado para comprar chicletes; Cidades estruturadas desde o século VIII; administração distrital; leis consolidadas; não é necessário investir em segurança nem em infra-estrutura; a população não cresce, assim, a única preocupação deles é com a saúde e a educação.


Citei os Estados Unidos, porque eles e o Brasil possuem um passado muito parecido, foram colônias, estão no Novo Mundo, possuem muitos dos mesmos problemas sociais, e então seria mais fácil aproveitar o que dá certo lá do que em outro lugar.


Ademais, é preciso pesquisar se nos países orientais que estão apresentando um “boom” tecnológico não há a separação por desempenho. Na Índia, por exemplo, há planos de ensino diferenciados de acordo com o desempenho, em que os alunos mais hábeis são patrocinados por empresas de TI, e no Japão os alunos que não conseguem êxito educacional suicidam-se. Já pensou se isso se aplica ao Brasil? Seria necessário fechar escolas e abrir cemitérios no lugar delas.


Se isto tudo não convence, sobretudo a você estudante ou professor, e você continua acreditando que separar é algo ruim, então, quando algum de vocês abrir uma empresa, contrate qualquer um que aparecer, afinal vai pegar muito mal fazer análise de currículo.


E, também, quando um professor implantar um projeto num Colégio, que ele escolha qualquer aluno para cooperar. É assim que funciona na prática?


Existe um conceito muito valioso chamado “honestidade intelectual”, este conceito implica que é preciso agir de acordo com aquilo que se acredita.


Não há nada que justifique a não separação em níveis, nem mesmo a sabedoria oriental. Lançando mão de uma metáfora com as lutas marciais, vale lembrar que mesmo nestes esportes que prezam o autoconhecimento e o auto-aperfeiçoamento, há hierarquias, divisões por pesos, faixas, ou seja, níveis. Tais níveis não estão fechados, mas um faixa-preta não luta com um ponta vermelha, é preciso evoluir primeiro no âmbito pessoal para de depois ascender a uma hierarquia superior.


Nunca fui contra a evolução dos “faixas amarelas”, luto por isso diariamente, este é o meu ideal de educação. Contudo, me preocupo também com a regressão ou estagnação do avanço dos “faixas-pretas”. Trocando em miúdos, aqueles que precisam evoluir para alcançar um nível mais elevado, devem primeiro travar a batalha mais elementar, aquela que acontece na arena individual e psicológica que é própria e única a cada um. Apenas acredito que não é justo bitolar o desenvolvimento de alguns em prol de um ideal socialista de que todos devem ser iguais. Diferenças existem, e diferenças são importantes, pois é a diversidade que dá identidade a um povo ou a um grupo.


Se a maioria dos estudantes é constituída por pessoas não tão interessadas pelo processo, não podemos com isso sacrificar a minoria. É preciso encontrar um meio-termo, e, repito, a divisão por turmas não é algo fechado, podem acontecer alterações no grupo ao longo de um ano. Será que a sensação de vitória e de realização pessoal daquele que consegue ascender a um grupo mais restrito não compensa qualquer pretenso discurso falacioso de discriminação?


Tal divisão poderia gerar o individualismo, pois os alunos de bom rendimento estariam isolados e assim não aprenderiam nada sobre tolerância? É lógico que é extremamente importante aprender com o outro, ensinar o outro, mas “pagar o pato” pelo outro me parece um ideal muito cristão para ser praticado na sociedade em que vivemos atualmente. É importante se espelhar no outro e sofrer com o outro, mas nunca querer ‘ser o outro’ (isto é o que configura a inveja ou o ressentimento). E numa sala de ensino público, com 40 alunos, em que a maioria é descompromissada, é mais fácil que 35 dobrem 5 e os desvirtuem ou que 5 convençam 35 e os desvencilhem dos vícios?


Ainda há os que podem dizer que a divisão é inconstitucional, pois vai contra o princípio da isonomia. Será mesmo inconstitucional?


Se for esse o caso, vamos recorrer ao princípio da isonomia, referido na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, que determinou que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Então levemos isso ao plano da educação e vamos enumerar o que é inconstitucional:


1) Um professor de educação física selecionar apenas os melhores atletas para representar a escola em jogos estudantis. (discriminação com os que não são bons atletas – a grande maioria)


2) Oferecer recuperação paralela para alunos com notas baixas quando alguns atingiram a média (é agir com distinção e, portanto, discriminação)


3) Fazer vestibular em universidades públicas para selecionar apenas os melhores (darwinismo puro)


4) Oferecer cotas para alunos oriundos de escola pública ou para afro-descendentes (É discriminação contra os alunos das particulares e discriminação contra os não afro-descendentes, como os sul-americanos (Paraguai; Bolívia) que habitam no Brasil. Princípio de isonomia = ninguém escolhe onde nasce, todos são iguais perante a lei, sem distinção.


5) Oferecer bolsa escola apenas para os pobres (Os ricos são iguais perante a lei, deveriam ter o direito de optar por querer ou não o referido auxílio).


Poderia citar outros inúmeros exemplos, que, eu mesmo sei, são temperados com muita hipocrisia, que, não obstante, se baseiam no princípio de isonomia.


Crime é deixar a educação do modo como está. Eu sei que 90% dos problemas educacionais do Brasil existem por culpa de professores mal preparados e/ou mal intencionados, todavia a divisão em escalas de desempenho poderia contribuir e ajudar muito a melhorar esta realidade.


A educação brasileira hoje é um problema muito sério, muito empírico e muito real, portanto, não é cabível citar devaneios metafísicos como o “princípio da igualdade” para tentar resolver o problema. A filosofia contemporânea, pós-kantiana, reconhece a metafísica como inatingível, como um contra-senso por vezes, e se apoiar nela é viver na Idade Média.


“Os fatos conduzem aqueles que concordam e arrastam aqueles que resistem”. A sociedade mudou, a escola não pode oferecer uma educação descontextualizada da realidade social. Para ter êxito social é preciso ter êxito educacional. O professor tem muita coisa para ensinar, pois além de sua ciência, há a interdisciplinaridade, os novos problemas sociais, morais e físicos de nossa realidade complexa, e se preocupar em oferecer educação de conduta simples como boas maneiras a alunos mal intencionados é onde verdadeiramente reside o crime. E o problema de muitos alunos que tem mau rendimento, além da falta de interesse, é a falta de sensibilidade (a pequena ética dos franceses = etiqueta).


Ademais, não se está falando em Apartheid ou segregação, mas apenas em separação por níveis, que, insisto, não estão fechados, mas são orgânicos, como nossa sociedade capitalista bem definida por É. Durkheim.


E se acaso estes argumentos forem considerados insuficientes ou falaciosos, agradeço antecipadamente pelos comentários que assim os qualifiquem.

5 comentários:

Prof. Jeferson Albrecht disse...

Sou professor ..e concordo plenamente.Infelizmente poucos professores tem coragem de admitir...

Anônimo disse...

Concordo plenamente, por isso mesmo retirei meu filho da escola pública. Pois, nestas escolas que estudam alunos de baixa renda, existi uma grande dificuldade de se colocar os alunos em seus determinados nichos. As famílias de baixa renda normalmente não são capazes de passar a seus filhos uma cultura escolar, pois geralmente os pais não tiveram oportunidade ou mesmo vontade de estudar. Agora, é justo meu filho ter seu futuro comprometido por crianças que não querem saber de estudar. Creio que o futuro da educação depende da vontade de cada pessoa. (Observação: Bill Gates não desenvolveu o trabalho que o tornou milionário, ele apenas organizou uma série de descobertas coletivas e as tornou rentáveis)

Anônimo disse...

Sou professor e discordo plenamente, afinal, estamos falando de educação e de experiência formativa, e não de empresas privadas e seleção natural. O erro deste discurso barato, travestido de profundidade intelectual, que na verdade só atesta a miopia intelectual de seu conteúdo, é não perceber a essência social e histórica da educação.

skidwasted disse...

Olá!
Vou tentar levar esse seu texto ao conhecimento do ministro da Educação.

Anônimo disse...

concordo em muitos pontos, em resposta a outros comentários. como educadores, precisamos sim valorizar a educação como uma importante experiência formativa, entender e perceber a sua essência social e histórica, mas também devemos buscar formas de potencializar o ensino dos nossos alunos, de forma crítica e sem se apoiar apenas em ideais equivocados a respeito da inclusão. o que buscamos no ensino, assim como retratado nesse artigo, é discutir a respeito de alguns temas, um tanto quanto polêmicos, e entender que é necessário buscar formas de melhorar o ensino dos alunos,mas nunca como forma de excluir os alunos.