Violência na sala de aula
Desde fevereiro de 2011, uma funcionária do Sindicato
dos Professores do Estado de Minas Gerais passa o dia ao lado
do telefone. Sua missão é receber e registrar denúncias de agressão
feitas por docentes. O disque-denúncia foi uma das soluções encontradas
para ajudar o professor mineiro a enfrentar esse tipo de situação. “Já
era do nosso conhecimento a violência no ensino público, mas as
evidências de acontecimentos em escolas particulares nos
preocuparam”, explica o presidente do Sinpro/MG, Marco Eliel. O
assassinato do professor de Educação Física Kássio Vinícius Castro Gomes,
atacado por um aluno a facadas nos corredores do centro universitário
em que lecionava na capital mineira, em dezembro de 2010, também ajudou
a catalisar o lançamento de uma campanha contra a violência nas escolas.
De lá para cá, foram registradas 131 denúncias. Segundo Eliel, uma a
cada três dias.
No Rio Grande do Sul, o Sindicato dos Professores do
Ensino Privado (Sinpro/RS) criou o Núcleo de Apoio ao Professor Contra a
Violência (NAP) no fim de 2007. “A razão foi o aumento do número de
relatos de sofrimento”, conta Cecília Maria Martins Farias, diretora
do Sinpro e coordenadora do NAP. Trata-se de uma
equipe multidisciplinar responsável por oferecer assessoria psicológica
e jurídica. O centro atende a cerca de 40 pessoas por ano.
Pesquisa realizada pelo sindicato gaúcho revelou que,
para 37% dos entrevistados, as direções das escolas são omissas em
relação à violência. Para 80% dos 440 docentes do ensino privado ouvidos,
o encaminhamento é insatisfatório. Na opinião da coordenadora do NAP, são
poucas as escolas privadas que enfrentam a questão. “É importante que
haja momentos para falar sobre o assunto com a comunidade escolar.”
Professora universitária do Rio Grande do Sul, C. A.,
de 40 anos, buscou os serviços do NAP após anos de hostilidade por parte
de colegas e de omissão por parte da diretoria. “Ninguém se preocupa,
acham que é frescura de mulher. A gente é considerada louca”, contou
emocionada a docente, que não quis se identificar. Por causa de disputas
políticas dentro da universidade, C. passou a ser alvo de um grupo
que assumiu seu antigo cargo. Quando resolveu registrar um boletim de
ocorrência, ouviu da direção que o problema era dela. “O silêncio é a pior
coisa. Sofri agressões e virei motivo de piadas.”
Aluno cliente e agressor
Professora desde os 16 anos de idade, Glaucia Teresinha
Souza da Silva foi agredida por uma adolescente em 2009, em Porto
Alegre. O caso aconteceu dentro de uma escola estadual, após a
professora e pedagoga chamar a atenção de uma aluna de 15 anos. Ao virar de
costas para procurar alguém da direção, a educadora foi agredida com socos
e chutes, bateu a cabeça e desmaiou. Glaucia sofreu traumatismo
craniano, ficou seis meses de licença e precisou fazer fisioterapia.
Retornou para a sala de muletas. “Nunca pensei em desistir.
Infelizmente isso aconteceu comigo, mas poderia ter sido com qualquer
outra pessoa”, reflete a educadora de 28 anos. “O professor não pode
ficar em silêncio. Infelizmente, episódios semelhantes voltaram a acontecer
em outros lugares. É uma realidade com que o professor precisa lidar,
mas também é necessário receber amparo.”
Há oito anos, a professora de Artes T. R. trabalhava em
uma escola pública estadual de São Paulo quando foi ameaçada
dentro da sala de aula. Segundo a educadora, de 54 anos, a maioria
dos alunos era maior de idade, haviam cometido algum delito
e cursavam o sexto e o sétimo anos em liberdade assistida. O clima na
escola era pesado, agravado pelas grades e pela presença de uma
policial militar no pátio.
“Um dia, vi um rapaz desconhecido passando drogas para
alunos. Disse que ele era bem vindo se estivesse ali para ampliar seus
conhecimentos, mas, se não, que esperasse fora dos portões.” O rapaz
então veio na direção da professora e, com o dedo em riste,
falou: “Olha, vou sair só porque você foi muito educada”. Mais tarde,
T. soube que ele e os colegas foram presos em flagrante depois de agredir
e matar uma professora na porta da escola.
Em outra ocasião, um estudante entrou no meio da aula
chutando a porta e derrubando o lixo. A professora, então, pediu
para que ele limpasse o que tinha feito e continuou com a exposição
da matéria, para logo depois perceber que o aluno estava imitando-a diante
da turma. Ela perguntou: “Você quer dar aula no meu lugar?”, e
sentou-se. A atitude causou revolta. “Ele ficou muito irritado, disse
que eu era folgada. Mas fiz de conta que não ouvi.” A educadora
também se recorda de agressões sofridas por outros professores.
“Soube de gente que teve seu pneu furado, carro riscado… Uma colega
demitiu-se porque recebeu um tapa no rosto”, conta a professora, que hoje
trabalha como assessora pedagógica. Segundo ela, não havia diálogo
com a direção ou com a comunidade escolar: “A sensação é de impotência”.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Apoio ao Professor
contra a Violência, os relatos mais frequentes são de
desconstituição da autoridade do docente, minimizados pela direção da
instituição de ensino. “Conflitos existem em qualquer lugar. Na
análise de Cecília Farias, a frequência da violência contra o professor
é comum em instituições públicas e privadas. O que muda são as
motivações. “Nas primeiras, muitas vezes é motivada por carências
materiais ou afetivas”, explica. Já nas últimas, os casos
acontecem muito mais por uma postura de aluno-cliente. Levantamento
realizado pela Apeoesp, em 2007, entre 684 docentes da rede
pública estadual de São Paulo revelou que 74% conhecem professores
ameaçados na escola. Em 93% dos casos, o agressor é o aluno.
Reflexo social
A agressão ao professor não é algo isolado, mas fruto
de uma relação violenta que se estabelece entre o corpo discente, entre
alunos e professores, entre o sistema educacional e os estudantes ou
mesmo entre a escola e a comunidade. “Essa questão é algo complexo e
sistêmico”, analisa Patrícia Constantino, pesquisadora do Centro Latino
Americano de Estudos de Violência e Saúde da Fiocruz.
“A escola está inserida numa sociedade que identifica a
violência como forma de resolver conflitos”, afirma a doutora em
Psicologia pela USP, Luciene Tognetta. Segundo a organizadora do
livro É Possível Superar a Violência nas Escolas?, os conflitos nas
instituições de ensino são agravados pela “terceirização” da educação
dos estudantes. A família, tradicionalmente responsável pela formação
moral dos alunos, já não dá conta desse processo, analisa. Já para a
psicanalista e doutora em educação Roseli Cabistani, a violência é
uma questão social. “A escola é testemunha e palco de um ‘sintoma
social’, algo que extrapola e é uma denúncia do mal-estar na educação
e na sociedade.”
Apesar de não existirem pesquisas que acompanhem a
questão da violência escolar ao longo do tempo, o depoimento dos
professores é de que as relações mudaram, explica a socióloga e
pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Caren
Ruotti. “Os professores reclamam da falta de respeito dos alunos, que
não veem mais neles uma figura de autoridade. E mais: nenhum aluno
quer ser professor. Como vai respeitar aquela figura se o Estado não
reconhece a importância do profissional?” Na análise de Caren, um
caminho para a solução desses conflitos passa por um trabalho
conjunto entre professores, direção, pais e comunidade escolar. “O
importante é reconhecer o o problema e abrir canais para discussão”.
Autora: Tony Oliveira.
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