O artigo a seguir foi publicado pelo Correio Brasiliense (DF)
O professor Murilo Mangabeira, 27 anos, sabe o valor de uma
boa Educação. Por isso, é um defensor contumaz de que o ensino deve
começar cedo — e, sobretudo, com muita qualidade. Para ele, não basta apenas
abrir as portas das escolas à criançada sem o compromisso de se formarem
cidadãos que farão a diferença no mercado de trabalho.
Isso vale, principalmente, para os centros públicos de
ensino, que, infelizmente, andam despejando no mercado pessoas que mal entendem
o que leem e são incapazes de resolver questões mínimas de matemática.
Não à toa, Murilo repete: “É uma convenção achar que escola
pública tem que se contentar com o básico, com uma estrutura mínima. Não
adianta montarem bibliotecas, se não colocam livros suficientes. De nada vale
fazer uma quadra de esporte, se não colocam cobertura. O básico não é
suficiente”.
Porém, o que mais assusta o professor, que há três anos
leciona sociologia para alunos do ensino médio e fundamental em Samambaia,
cidade do Distrito Federal, é o fato de não haver uma preocupação evidente com
o aperfeiçoamento dos profissionais da área.
“Não basta uma especialização de um ou dois anos. O
professor precisa se dedicar a um processo de formação continuada. Senão, corre
o risco de se tornar um técnico da Educação, com conhecimentos
superficiais”, explica.
As palavras de Murilo só reforçam a necessidade de uma
revolução no ensino básico do país. Embora, nos últimos anos, tenha havido um
avanço no acesso de crianças e adolescentes às escolas, muitos ainda não
conseguem notas suficientes para ingressar nas universidades. Mesmo quando
entram, há um problema maior: conseguir acompanhar o conteúdo dado em sala de
aula.
“O índice de jovens que apresentam falhas no aprendizado é
muito alta. Apenas 11% dos que concluem o ensino básico conseguem um nível
razoável de absorção do conteúdo de ciências exatas, como matemática”, diz
Mozart Neves Ramos, conselheiro da ONG Todos pela Educação.
Essa, por sinal, é uma das razões de o país estar na
lanterna do desempenho nessa área: 57° lugar de um ranking com 65 países
listados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em
inglês).
A situação é alarmante, reconhece Rodrigo Capelato, diretor
executivo do Sindicato das Entidades de Estabelecimentos de Ensino Superior do
Estado de São Paulo (Semesp).
“Como a maioria dos alunos das faculdades privadas acabam
vindo das redes públicas, é difícil haver um nivelamento nas turmas,
especialmente na área de exatas. Praticamente, 90% das universidades acabam
tendo que dar cursos complementares para equiparar os alunos em sala de aula”,
revela.
Interesses
Tamanho descalabro não é por falta de dinheiro. O volume de recursos destinado
àEducação básica triplicou entre 2000 e 2009, passando de R$ 808 por ano,
por aluno, para R$ 2,9 mil. O problema é que algumas regiões do Brasil ainda
sofrem com uma estrutura física inapropriada para as aulas: falta de material
didático, salas sem a mínima estrutura, escassez de carteiras e de professores,
principalmente daqueles com formação adequada.
“A falta de valorização do professor é um dos principais
fatores da baixa qualidade do ensino básico, o que faz com que poucas pessoas
se interessem em estudar pedagogia”, afirma Mozart Ramos. “O salário médio no
país de um docente é de R$ 1,8 mil, praticamente um terço da média de um
recém-formado em qualquer outra profissão”, emenda.
Doutor em Educação pela Universidade de Stanford,
nos Estados Unidos, e ex-diretor da Unesco, Jorge Werthein ressalta que, mesmo
triplicando em quase uma década, os gastos com a Educação básica no
país são insuficientes. Nos EUA, o desembolso anual por aluno varia entre US$
12 mil e US$ 13 mil.
“Se o Brasil quiser se manter entre as maiores economias do
planeta, precisa acelerar o processo de melhoria da Educação. Somente o
conhecimento muda a vida das pessoas. Por isso, o acesso a uma escola de
qualidade tem de ser uma estratégia de governo. Houve avanços nos últimos anos,
mas ainda em ritmo muito lento”, assinala.
Na avaliação de Werthein, o engajamento na melhora
da Educação precisa ir além das ações do governo federal. É preciso
que estados e municípios entrem nessa batalha, que durará anos e anos.
“Não se trata de uma questão política. Mas de interesse de
todo um país. É preciso colocar o desenvolvimento econômico em primeiro. E isso
passa por umaEducação melhor. “Há um deficit enorme de professores — entre
200 mil e 300 mil profissionais — nas áreas de matemática, ciência e química,
porque outros setores da economia pagam melhor”, destaca.
Gargalos
O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão, explica que as deficiências do ensino básico
começam a aparecer logo no início da vida dos alunos.
“O primeiro entrave é a falta de acesso
à Educação infantil, às creches, o que faz as mães perderem um tempo
precioso que poderia ser usado para estimular o mais cedo possível a formação
da criança. Esse é o pontapé que facilita o ensino básico”, diz.
O pesquisador lembra que a herança cultural também pesa
sobre os alunos de renda mais baixa. “É mais difícil para os pais com poucos
anos de estudo ajudarem os filhos no aprendizado e fiscalizarem o rendimento
deles na escola”, completa.
O conteúdo deficiente oferecido na rede pública, somado a
uma cultura de desempenho e avaliação mais frouxa, não poderia ter outro
resultado.
Ao concluir o ensino fundamental e médio, os alunos da rede
pública não estão preparados nem para enfrentar o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) — usado como parâmetro para o ingresso em 95 universidades
estatais, por intermédio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Em 2012, serão
oferecidas 108 mil vagas.
Aulas on-line
Um método incentivado pelo poder público para formar professores mais bem
qualificados é o ensino a distância, frequentado por 15% dos universitários
matriculados atualmente.
Entre 2005 e 2010, o número de profissionais que concluíram
os cursos de licenciatura nas tradicionais salas de aula caiu 3,6%, para 161,3
mil, enquanto os formados a distância cresceu 62%, para 72 mil. Se esse ritmo
persistir, em 2015, o país terá mais professores graduados por meio da internet
do que presencialmente.
Sintomas do atraso
Os especialistas acreditam que a reforma prevista pelo Programa Nacional
de Educação(PNE), cujas discussões pouco avançaram na Câmara dos
Deputados, deveria avançar por meio de políticas para valorizar o professor e
elevar o piso salarial da categoria. Seria uma iniciativa rumo a um quadro
semelhante ao que economias desenvolvidas e em desenvolvimento adotam para se
destacarem economicamente.
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